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PINTOR, POETA E CANTOR, OU FAZEDOR DE COISAS LINDAS COM AS DUAS MÃOS E NÃO SÓ.

domingo, 30 de julho de 2006

NIILISMO PONTUAL POR PREGUIÇA OU POR FASTIO

Nada a dizer. O nada é uma imensidão. É o vácuo. É o caos anterior e posterior a coisa nenhuma. É não ter sentidos despertos para o que se acredite sentir em volta de nós. É na dúvida beliscar a própria pele e nem a ver mudar de cor, quanto mais doer. É estar aos urros e não se nos escutar sequer um monossílabo. É recuar no tempo sem se mover um passo mental e depois nunca mais arribar a tempo algum. É voar às arrecuas como aves inconvictas acerca do consagrado privilégio de ter asas funcionais. É sem um brado de espanto não ver reflectida no espelho matinal a nossa imagem de todos os dias. É acabar sem se ter começado seja o que for. É não ter em boa verdade mais nada a dizer a ninguém. Nem mesmo a si mesmo.
O nada é o princípio, no entanto. Assim como o fim. E é o que entre as duas muralhas extremas se nos impõe e nos diz de nós, se nós por nós lhe perguntarmos, por muito que nós até saibamos qual a resposta.

segunda-feira, 24 de julho de 2006

BOLETIM METEOROLÓGICO SOB PREVISÃO INSTANTÂNEA

Dia cinzento, o de hoje, embora quente. Quem nos dera que chovesse e a natureza se revivificasse cá por dentro, ao nível das nossas raízes mais profundas. Já começa a fazer falta aquela chuva que dá cor aos olhos e neles se guarda para quando a carestia se impuser. E o calor que tem estado, sem que fosse inesperado, é maligno. Que o leve uma praga e bem longe o conserve, até que dele sintamos saudades. E que apareça então, sem demora, para que nos dê cor aos olhos e neles se guarde para quando a carestia se impuser.

terça-feira, 18 de julho de 2006

LONGEVO AQUELE AMOR ENTRE A ROSA E O MALMEQUER

Ela e ele. Ele e ela. Um casal de velhos. Já terão morrido há uns anos. Deviam ter, na ocasião, mais ou menos mesma a idade que eu tenho hoje: quase sessenta. E eu não era mais que um miúdo, mas já atento àqueles factos que me parecessem fora do comum. E o curioso, neste caso na berlinda, é que eles eram namorados desde há décadas. Duas ou três. Sem avanços. Sem trepadelas de muros. Sem sequer um beijo dado fora do contexto de um namorico que se preze de ser sério. Ela, à janela. Ele, na rua.
Ele ia, de bicicleta, bater-lhe à porta, levando uma rosa por detrás da orelha. E ela atendia-o de lá de cima, com um malmequer nos cabelos, abrindo a janela. E ali se quedavam eles, a conversar durante horas e horas, delineando projectos de vida comungada a levar à prática, um dia, ou amparando sonhos velhos com novos sonhos em cada jornada de amor. Acreditando com todo o pundonor naquele seu sentimento quase tão antigo como eles. Ele, na rua. Ela, à janela.
Não sei o que depois veio a ser deles. Se se mantiveram enamorados até que a morte os levou. Ou se chegaram a consumar alguns planos, entre os tantos traçados ali à porta de casa, quando ele aparecia com a rosa na orelha, para que o malmequer, sempre à janela, o atendesse, e ele, sempre na rua, lhe garantisse uma total entrega à construção do seu ninho noutra árvore, não aquela, onde só haveria uma rua e uma janela, para ele e para ela.
Só que ela adorava, ao que corria, aquela sua janela. E ele é que não parecia encarar lá muito bem a perspectiva de se ver na rua por mais vinte ou trinta anos. E quantos é que não se terão passado, com ele, a rosa, na rua, encostado à bicicleta, e ela, o malmequer, tão lá em cima, no peitoril da janela?

sábado, 15 de julho de 2006

INFRUTESCENCIALMENTE FALANDO DO QUE MUITO GOSTO DE FALAR A SÓS

Sempre que como figos, lembro-me dele, que os adorava. Mas também me lembro dele, se os não como. Como ele gostava de figos, o meu pai. Talvez porque lhe trouxessem reminiscências da infância, ainda que feia, como o são em geral as infâncias mais carenciadas de tudo o que por direito deveriam ter. Apanhava-os nos montes, quando por lá se perdia em busca de se encontrar, quem sabe. E quantas mas quantas vezes não terão sido os figos, em tempo deles, o sucedâneo directo de refeições por haver em tempo delas.
Não sei se Judas, o Iscariotes, se enforcou mesmo numa figueira. Se o fez, fosse qual fosse o motivo, ainda bem que depois disso não se nos acabaram os figos e os seus devotos, como o meu pai e o seu filho.

ANTEPASTO MATINAL VISTO DE CUECAS OU PELO OLHO DO CUCO

O sol, mal acabado de nascer, ainda aquém de ter dentes. As sombras no asfalto, longilíneas como setas, também aquém da hora de serem o único antídoto ao dispor de quem sofra o castigo de estar vivo. E é ver o curioso jogo de riscos desenhados no chão, escuros e claros, a brotar de um ponto de fuga em tudo igual aos da perspectivação linear para efeito de antevisão construtora. Parecem grades de prisão, olhando-as de dentro para fora. Ou estradas convergentes sobre o ponto onde se acabe aquela que nos pertença pisar. Ilusão de óptica, nem mais, que às mãos do imaginário se converte no que em nós tenha seu ninho de cuco (que, como se sabe, não perde tempo a fazer ninho, servindo-se de ninhos alheios para lá deixar os putos a crescer, e de que modo).
Devolvamos o ovo, ou seja o seu a seu dono, e obriguemo-nos então ao suplício de mececer na pele a mordedura do sol ainda mal acabado de nascer. E não falemos das sombras. Bem bastam as que nos tolhem o andamento, quando nelas tropeçamos por descuido.

sexta-feira, 14 de julho de 2006

CONSERTOS AO DOMICÍLIO EM SERVIÇO PERMANENTE E FÉ CRISTÃ

É muito curioso este fenómeno da ficção. É como abrir uma torneira e esperar que dela brote alguma coisa, seja o que for. Até pode ser uma gota insignificante, primeiro, que depois desprenda outras e se torne, com as mais, numa torrente imparável, já passível de ser controlada pela mão sobre a torneira.
O pior mesmo é vencer a inércia mental, talvez causada pelo excesso de sarro acumulado na canalização do âmago, não acessível por fora. Para chegar, num caso de avaria, com entupimento total ou parcial do fluxo, só partindo paredes e mais paredes, sem que se saiba o que de lá sairá depois de tanto partir. E as paredes a reconstruir, como é imperioso que aconteça, nunca mais terão a solidez das de origem.
Resumindo e concluindo, o melhor é ter paciência. Saber esperar que a gota surja, qual pérola vítrea ou lágrima que não doa a ninguém, e desejar que ela traga outras atrás, até que se forme um colar capaz de justificar pescoço e mamas, daquelas tais cujo vale intermédio muito nos apeteça invadir, nem que seja só com os olhos.
Estais a ver como é curioso este fenómeno ficcional? Comecei por me disfarçar de canalizador remendão, e agora já me arrogava o papel de invasor sarraceno a caminho da conquista de quaisquer doces colinas à cristandade empertigada, daquelas tais cujo vale intermédio muito nos apeteça invadir, nem que seja apenas e só com as mãos todas que tenhamos dentro dos olhos.

quarta-feira, 12 de julho de 2006

HAJA LUZ QUE OLHOS MEREÇA EM QUEM MEREÇA HAVER LUZ COM OLHOS

O dia nasce. Nascendo aqui, morre noutro lado. É a lei da vida. O que mais nos importa, no fundo, é que vá nascendo. Aqui ou noutro sítio qualquer, onde ainda haja quem se perca em cogitações subterrâneas acerca do dia que nasce.
Amanhã, nascerá outro. Mas não para toda a gente. Haverá quem, por força da natureza ou por sua opção, já o não veja nascer. Assim como ontem houve quem já não se visse à luz de hoje. É a lei da vida. O que mais nos importa, no fundo, é que vá nascendo. Aqui ou noutro sítio qualquer, onde ainda haja quem se perca em cogitações subterrâneas acerca do dia que nasce.
E por aí adiante, segundo as circunvoluções cósmicas, aconteça o que acontecer cá por baixo, hão-de nascer mais e mais dias semelhantes ao que agora se me anuncia. Fazer contas, não vale o esforço. A prova real estará feita quando o quociente natural, da divisão pressuposta à nascença, for zero elevado a zero. Pois isto é a lei da vida. O que mais nos importa, no fundo, é que o dia vá nascendo. Aqui ou noutro sítio qualquer, onde ainda haja quem se perca em cogitações subterrâneas acerca de cada dia que nasça.

domingo, 9 de julho de 2006

ACERCA DA LEI DAS COMPENSAÇÕES SOB A ÓPTICA DIARREICA DO MEU MAIOR AMIGO


O meu maior amigo, em voz baixa, acabou agora mesmo―são cinco e pouco da manhã―de me acordar, pedindo-me que fosse com ele à rua fazer o que se calculará.
Isto de morar num sétimo andar e de ter amigos assim, também tem inconveniências. Mas compensa. Claro que é compensatório ver esta expressão de alegria, experimentada por nos vermos entendidos, por sabermos que alguém fala a nossa linguagem e corresponde ao quase nada de nada que lhe pedimos. É tão bom ter amigos bons. É tão bom ter bons amigos.

MONÓLOGO DO VAQUEIRO SEM VACAS NEM PASTO PRÓPRIO

O monólogo, como significante de trapo encharcado que lave o chão da memória e dela mostre a sujidade, deveria ser proibido. E deveria ser punido todo aquele que nisso aparente obter gozo. Pois não é tão mais eloquente o diálogo? A alternância argumentativa, por si só, já pressupõe que haja duas opiniões, no mínimo, contrabalançando os arremessos, escutando-se e obrigando-se a escutar. Quer façam eco entre si sem suspeição de conluio, quer tão-só se complementem e se completem numa construção comum, quer se oponham sem permitir que o desrespeito aconteça e só prevaleça o lixo, velho ou novo, que o dito trapo―não deixemos de lhe reconhecer utilidade―não limpou como devia.
Nem que esse diálogo só aconteça contigo, leitor, entregue que estás aos arbítrios de quem detenha o monopólio dos materiais de limpeza, sabões, lixívias, detergentes, baldes, escovas, vassouras, esfregonas e sabe-se lá que mais, de que nunca os meus joelhos se queixaram. Nem queixarão, jamais, que isso de estar de joelhos é sinal de insuficiência.
Fala, leitor. Diz de ti. É agora a tua vez.