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PINTOR, POETA E CANTOR, OU FAZEDOR DE COISAS LINDAS COM AS DUAS MÃOS E NÃO SÓ.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

DO GOSTO DE ESCREVER AO DE LER O QUE SE ESCREVA E NÃO SÓ MAS SOBRETUDO

O gosto de escrever nunca envelhece. Talvez por ser congénito e ter à frente dele, como se fosse um quase infinito papel de escrita, o tempo a percorrer-se todo à espera. E não lhe apodrece a raiz porque se sabe plantado em pleno húmus cerebral, que não no peito. Nem ganha cãs ou calvície, rugas, vincos, sinais pilosos ou neutros, verrugas, barbela e demais adiposidades dos excessos em catálogo. E jamais amanhece desgrenhado, olheirento, rabugento e a feder a mijo atrasado. Não se queixa do sabor a prótese gasta na boca. Não colecciona artroses nas dobradiças de qualquer das quatro hipóteses, nem o amofina mancar de uma ou das duas. Não maldiz o reumático, o lumbago, a falta de ar, ao subir devagarinho o que antes galgava a correr e aos pulos. Não se lhe empeçonha o sangue nem se lhe entopem os vasos com demasias de açúcar, de acidez, de matérias gordas ou magras. Não seca nem se evapora. Não se esvai na ventania. Nem se gasta com o uso. Não dará luz à treva, mas ilumina os passos a quem sobre ele caminhe, a quem por ele se oriente, a quem com ele se vista e calce e nutra e cumpra a empreitada da vida. E empreitada, porque temporária e sem a menor garantia de não ultrapassar, no fim, o custo que à partida se calculou com rigor e se publicitou como máximo. É tonteira grossa, pois, gerir a tempo inteiro essa estranha fábrica de insónias e lucubrações a que alguns lunáticos, não muitos, chamam gosto de escrever.
Há mesmo quem consiga viver disso em terra de analfabetos. Grande façanha, esta, a de ir mordiscando sílabas, como quem depenique um já meio crestado cacho de uvas, e ainda assim não se morrer de fome ou de pasmo. E até há quem palite os dentes, depois de cada repasto, e mande dois murros no peito, urrando de satisfação. De tudo haverá nesta feira onde as tretas semióticas e semânticas, ou outras ciências ocultas de tão às claras, se apresentam e se depuram como materiais de trabalho e de lazer. É isto, é, o gosto de escrever. Que seja apenas e só para si próprio, não importa. O importante é que seja.
Coincidirão, o gosto de escrever e quem escreve, num único instante físico. Mas isso será lá mais para o fim, com flores e lenços ranhosos e contadores de anedotas sobre a cauda do cortejo.

domingo, 16 de agosto de 2009

ERROS MEUS, MÁ FORTUNA, AMOR ARDENTE, E ALGUM EGOÍSMO À MISTURA

Há treze anos, neste dia, cometi um erro. Apenas um entre os muitos que ao longo de toda a minha vida vim cometendo. Mas grave. Todos os erros são graves, uma vez cometidos. E em particular, quando nem o arrependimento os minimiza e deles atenua a mordedura. Erros há, todavia, que através de outros erros, anteriores e posteriores, perdem o raro estatuto de importância ímpar e na aferição das consequências esmorecem, volatilizando-se ar acima sem distinção dos demais. Não este. Este está vivo e recomenda-se.
O erro hoje elevado ao altar, só porque foi num hoje de há treze anos que ele se consumou, também poderia não ter redundado em asneira e ser agora merecedor de exaltação e júbilo pela complementaridade enfim encontrada, pela sucedânea realização pessoal e artística, pela felicidade de acordar vivo com a manhã e ainda experimentar algum gozo nisso. Complexas contingências, contudo, declararam guerra ao bailarino convidado, torpedearam-lhe a coreografia, impuseram-lhe outra peça musical de percussão desvairada, e só não o retiraram de pronto do cartaz e baldearam para a rua de sentido obrigatório (qual cachorro sentenciado ao despejo da casota por ter pulgas, criminosa explicação por não ter lugar cativo no mês de férias do dono) porque o erro em causa imagine-se!— se confirmara por escrito e passara a ser considerado como penitência a cumprir por toda a gente, julgado e julgadores, até que a morte os separe. Júbilo e exaltação, portanto, só em orientação inversa, a caminho do lusco-fusco ou da escuridão por inteiro, com o vácuo mental a ameaçar o colapso dia a dia, hora a hora, ninguém saberá quando ou se.
Que maravilhoso seria se os erros amargassem tanto no anúncio que os propõe à mastigação, como depois de mordidos e engolidos. Quem sabe se não sobreviria um lógico enaltecimento do vómito, apesar do desconforto, como solução derradeira.