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PINTOR, POETA E CANTOR, OU FAZEDOR DE COISAS LINDAS COM AS DUAS MÃOS E NÃO SÓ.

terça-feira, 22 de maio de 2007

SONATA EM TOM DE RESMUNGO CONTRA OS DESMANDOS DO TEMPO

A chuva, mais que o sol, inspira sempre. Talvez porque faça doer de fora para dentro, ou seja ao contrário de quando a luz solar recebida transparece e nos aparece nos olhos, na respiração, nas atitudes, nos tiques do instinto. Como se dela nos arrogássemos o desempenho de foco original, e na realidade apenas fôssemos o veículo momentâneo em que se faz multiplicar e chegar mais longe, sem que nós, apesar do pundonor impresso no esforço, a acompanhemos.
Já a chuva demolha as conjecturas e amolenta-lhes a rigidez, torna-as mais brandas ao toque e amolda-as às conveniências, facilitando uma assunção de maior rugosidade, nalguns casos, ou mesmo ocasionais correcções, nem sequer sonhadas no lapso da elaboração.
Na maior parte das vezes, porém, a chuva é uma chatice pegada, para não dizer uma boa merda.

segunda-feira, 14 de maio de 2007

DESDE A SOLIDÃO DE ESTAR SÓ À DE NUNCA NOS DESCORTINARMOS EM LUGAR NENHUM

(À memória do Tó Figueiras)

Mesmo que se me vá tornando cada vez mais nítida, cada vez me dói menos a solidão. A solidão é um direito. E com alguma arte no modo de exaltação que através dela soubermos alcançar, uma virtude. E que nisto não se leia qualquer morbidez doentia em tom menor. A solidão não se afina à escala do estado de espírito ou da máscara em que nos pretendamos expor. É ou não é. E como tal se basta e consome, se de nós e em nós é atmosfera. Se em nós e de nós se alimenta. Se por nós e connosco até poderá ser tomada como cicuta final.
A solidão é uma fera prisioneira e que aprisiona quem a tente domar em função de seus caprichos. Nunca haverá jaula em que sobreviva e resista à exibição de corpulência, pelagem, garras e dentes. A solidão é o bicho que se seja, com plena liberdade de uivar, quando uivos lhe apeteça. Ou de roer de forma lenta os próprios dedos, se lhe aprouver o suco essencial da dor mordida. Ou de falar a sós ruas afora, com ou sem escárnio ouvinte a dar-lhe inchaço de velas e vento.
A solidão não é um estado, mas uma atitude. Não é um estilo de vida ao sabor da moda, mas uma opção consciente e fundamentada e com regras próprias. Nem será um simples gesto de renúncia, uma fuga ao fingimento de abraços, um protocolo de respeitabilidade estabelecido entre si e si mesmo, uma negação à divisão do saque em que o tempo é bolo único e única moeda de troca.
A solidão é uma sentença a cumprir, sem recurso, pelo crime de estar vivo e amar a vida. E as provas invocadas em prol da condenação são as mesmas que a defesa consubstanciará como estratégia de imediata devolução à liberdade de estar só. Culpado ou inocente, tanto vale, se quanto maior a pena, menor a falta, ou vice-versa.
À parte os ditirambos pseudopoéticos, claro será que não deixa de ser uma grande merda a solidão. Mas antes as pragas do mau cheiro e do nojo de a pisarmos, que o sofrimento de a comungarmos com outrem, que a mentira de nela chafurdarmos sob dolência fadista, que o pudor de nem lhe darmos a mão, quando ela nos despe e se nos oferece, nua, em corpo inteiro, amante insuspeita até para lá da morte.
Quais prolegómenos fora de sítio e de oportunidade, solidão é mesmo ter um espelho à frente e não ver ninguém no reflexo. E para tanto, no entanto, bastará fechar os olhos.