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PINTOR, POETA E CANTOR, OU FAZEDOR DE COISAS LINDAS COM AS DUAS MÃOS E NÃO SÓ.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

ANAMNESE E PROLEPSE DE MÃOS NAS MÃOS E CORAÇÕES AO ALTO

Presumo ter chegado já àquele ponto da viagem em que a saúde deixa de ter primazia e passa a ser apenas um bem a preservar, com certeza, mas sem que disso façamos propósito primordial. Creio inclusive que a casual aquisição de uma qualquer maleita de carácter irreversível se aceitaria sem custo, ou se tomaria mesmo por bem-vinda. A ponte até ao lado de lá já se vislumbra ao fundo, na zona minguante do quadro, embrulhada em neblina nem demasiado espessa. De que vale a utopia de acanhar a amplidão dos passos, ou de fugir ao trânsito que a ela os conduzirá, tanto os de quem queira como os de quem não? A morte já nem me atemoriza com esse nimbo de mistério dos anos em que tudo apetecia, tudo através de sonhos se equacionava, tudo era gratificante e verosímil, tudo então aparentava valer o esforço indispensável à sua consecução na íntegra e de modo célere. Morrer, agora, é-me cada vez mais fácil de aceitar, mais simples de encarar. Direi mesmo desejável, embora ainda aquém da hora de fazer quaisquer projectos propensos a pôr em prática tal instante: o lapso infinitésimo de passar a ponte e por lá ficar. E cumprir-me-á confessar que é para mim de maior susto a velhice, com a dependência de outrem na arreata, que um repentino aniquilamento da existência por acidente, por desleixo consentido ou por mão própria. Estar velho é obsceno. Ser velho é uma trampa. Não há por onde escolher. Nem haverá para onde fugir.
Alguém que me avise quando mais oportuno se entender, só para que tenha tempo de alcançar o outro hemisfério. O lugar onde gostaria de me saber semeado sem flores nem lenços ranhosos, segundo cálculos com idade de negrume igual ao da minha, é lá, nos antípodas. Não há outro que deste fique tão longe, e não sei se chegará. Casos subsistem na memória em que o mau cheiro foi protagonista, revelando-se apto a navegar até ao último dos sete mares conhecidos.
Por aqui me ficarão os bons amigos. Poucos. Mas também apodrecerá a massa-bruta constituída por quantos de mim ousaram valer-se sem óbvia contrapartida, se entre eles até chegou a haver quem me traísse, me enlameasse os meus mais nobres princípios, me emporcalhasse o nome, me aviltasse a obra, me sonegasse o direito ao usufruto da paz íntima de viver a sós comigo até ao fim natural. Àqueles, que a vida se lhes ofereça mais e mais apetecível a cada momento. A estes, puta que os pariu a todos. Disse.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

DEVAGAR DEVAGARINHO A DIVAGAR COMO É PRÓPRIO DE QUEM DEPRESSA SE CANSE

O azul tolerado pelas nuvens, sendo raro e parco, faz-nos desejar que amanhã seja mais vasto e promissor de outra luz na jornada, de outra coloração ambiental. É que hoje só o branco e o cinza darão notícias a quem escarafunche o céu em busca delas. E de quando em quando, ao jeito de enxaguadela do que ou de quem na penedia se conspurque, sai uma recarga ligeira e sem quase aviso, se se não prestar atenção à progressiva mas veloz obscuridade predecessora do balde, dito divino pela também obscura fé de uns tantos, que tantos são. E bom será não descuidar as mãos por demasiado tempo fora do agasalho dos bolsos, ou a frígida ascendência deste vento oblíquo, deste arejo merdeiro de fragas e estepes que nem em pensamento percorrê-las, tudo fará para lhes dar que contar, em cieiro e tremeliques, a breve prazo.
Baixe-se o olhar, entretanto, até ao nível das ervas, e atente-se no que de mais perto nos acompanhe na procura daquilo que de outro modo, palpando nuvens e vento, nunca conseguiríamos encontrar em tempo útil, se persistíssemos em achar utilidade no dispêndio de anos e anos à procura de algo, seja do que for.
Se a inexplicável imperfeição deste carreiro, ainda tosco de mais para que se rotule como rua e até venha um dia a ter nome de gente morta, aqui não estivesse, muito menos deleitosa nos pareceria a caminhada a incrementar através deste matagal onde só as cobras se presumirão felizes como celibatárias sem dote enfim arrumadas, destes silveirões de imposição gigantesca e ofensiva como palacetes de já considerável viga mestra ante casebres, deste arvoredo tão cerrado como o luto de alguém por si mesmo no momento imediato e nos logo após e daí em diante. Se carreiro não houvesse, no entanto, muito mais despojos da contenda caminhante pela floresta haveria a reclamar como material reutilizável, assim algum ânimo sobrasse ainda ao herói desbravador de sendas pelo crânio adentro, que não pelo meio de silvas e urtigas e cardos e outros agressores a monte no espaço em volta. Que nenhum cagalhão clandestino, por exemplo, de cão ou de bípede com direito a coleira, nos leve a escorregar e nos desfaça em pragas de repugnância a espontaneidade desta passeata, em divagação sem programa prévio nem sujeição ao massacre de relatórios, com todo o vagar de quem se reconheça impulsionado pela inércia e tanto apraza aos seus pruridos de nefelibata em contínua experimentação das asas.
Pode ser que amanhã não chova, não faça sol, nem nenhum azul raro e parco nos ponha a conjecturar acerca de haver carreiros ou não nas entranhas do matagal pesquisado pela imponderabilidade dos pés, se de noite como agora, hora de ir pegando na trouxa e marchar até que a sombra se queixe de quanto já lhe pesa a verborreia.