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PINTOR, POETA E CANTOR, OU FAZEDOR DE COISAS LINDAS COM AS DUAS MÃOS E NÃO SÓ.

sexta-feira, 31 de agosto de 2007

REMEMÓRIA COM PROMESSA DE VISITA A CURTO PRAZO

Penso em ti muitas vezes. Todos os dias e a horas indistintas, sem que seja esta ou aquela razão a fazer de lanterna, a guiar o regresso a lugar nenhum, onde nem sei se te sonhe à minha espera. Não demorarei muito tempo mais, descansa. Se ainda aí te mantiveres não sei onde, aí estarei contigo, tão depressa preste contas a mim mesmo pelo consumo registado, mal ou bem, justo ou sem olhos censores.
Lembro-me, em particular, de quando te via e ouvia, sentado ante o cavalete, a falar sozinho. Ou a sós contigo. Vociferavas, protestavas, esconjuravas. Ou demonstravas, a quem em ti te escutasse sem direito à voz da resposta, o insofismável poder de quantos argumentos te assistiam. Fosse qual fosse a luta a vencer de punho erguido, com denodo, inquebrantável. Fosse quem fosse o desgraçado adversário a esmagar, a esmigalhar, redutível a nada num peido. E o curioso é que, de quando em quando, também eu vou dar comigo a imitar-te, a esconjurar, a protestar, a vociferar, a desfazer entre palavras remordidas tudo o que se me anteponha, coisa ou bicho ou mesmo gente daquela que de pé se vê por aí a ruminar.
E lembro-me do teu jeito pueril de contar histórias e de nelas acreditar como lições de sapiência, paradigmas do bem-estar a impor aos donos do mundo. Ainda estou a ver todo o fulgor dos teus olhos grandes, de menino, sendo suporte e moldura da lenda que consagrou a chamada justiça salomónica; ou do pão nosso de todos os dias, que o cãozito retirava da sacola e deixava à cadelita parida entre silvas; e tantas mais, cujo tom dominante as aproximava e tornava apetecíveis de ouvir e de nelas, de igual modo, acreditar.
E os teus acessos de revolta contra a padralhada impante em seus arroubos, contra a sacralização de pedras ditas videntes, contra a massificação da cegueira aproveitável em direcção á penumbra vaticânica? E o teu ódio ditatorial à ditadura? E os teus fantasmas, carregados desde a infância desvalida, acerca do mito mefistofélico e dos alçapões da treva final? E o pavor que tinhas da morte, em sua hora ou antes ou depois dela, se à sombra dela te visses ao vê-la em outrem?
Dói-me admitir que em seu tempo não soube merecer o dom de te ter comigo. Como também mal merecerei tantos outros que ainda me vão habitando, sem que ninguém, nem eu nem eles, pague a renda e aproveite a moradia. Talvez a respectiva acção de despejo se justifique, como único processo de repor o equilíbrio das penas nesta capoeira mental. E se alguém se insurgir e fizer finca-pé em sentido oposto ao meu, dir-lhe-ei então como tu dirias que o pariu!
Até amanhã, Camarada.