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PINTOR, POETA E CANTOR, OU FAZEDOR DE COISAS LINDAS COM AS DUAS MÃOS E NÃO SÓ.

domingo, 18 de maio de 2008

ONDE SE PROVA QUE NOSTALGIA E SAUDADE NÃO SÃO MESMO A MESMA COISA

Chove. E porque é que não haveria de chover, se este virar de página primaveril é disso mesmo ou pior? Ainda assim, é outra vez a chuva a desbaratar-lhe alguns projectos já antigos de ataque ao passado, com auspiciosa revisita a devaneios nunca em demasia abraçados, porque também nunca em seu tempo viçoso confrontados com o medo de os perder. E perder o quê? Como poderia alguém perder aquilo que não tinha, que não teve nunca, que nem agora sabe se virá a ter? A chuva, de acordo com as nuvens quase tangíveis em cada gesto, ainda acaba por lhe servir de desculpa de mais um falhanço, mais um adiamento, mais uns tantos anos de planos a desbaratar por qualquer temporal de indesejável amplitude, seja qual for a estação do ano. Que chova e troveje, que acudam relâmpagos e trovões sacudam quanto de pé se equilibre e de pé tencione vangloriar-se. Que se foda a chuva. Lá irei na mesma, mesmo sem gabardina nem chapéu ou boina. Mesmo sem mim a servir de guia, eu lá iria sem ir.
Voltar a pisar lugares de que nem a lembrança se lembra, se perdidas vão as referências do trajecto vital então seguido, nada nos mostra já de inesperado. Tudo estará tão diferente, ainda que igual. Barrancos, carreiros, pedregulhos, vinhedos, pomares. Tudo por aí se deixa ver como antes, mas nada como antes se vê. A culpa? É dos olhos. Quem os mandou abalar, à aventura, quando tanto havia ainda a desbravar por aqui? E que veriam eles, afinal, nesse entretanto de décadas, que cá não pudessem ver, decifrar, apreender?
Quem me dera voltar lá e ver ainda os meus olhos reflectidos noutros olhos que eu cá sei. Estavam verdes, as uvas, ou os meus braços eram tão curtos, que não lhes puderam chegar.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

ONDE E QUANDO UM PORCO SUJO GOSTARIA DE CONTINUAR A SER CÃO

O porco, desta vez, saltou mesmo a vedação e invadiu a seara alheia, onde o chão é sagrado. Mas não irá longe. Logo a própria gula o fará tropeçar na própria sombra e dar com os dentes no charco da merda por ele produzida. Os porcos são assim. Por isso são porcos. Alguém lhes adjectivou o nome e o lançou por aí, à disposição de quem deles sofra os efeitos da graveolência, inata ou adquirida, que importa?
O porco tem uns olhos pequenininhos e tudo dimensiona em função dessa sua pequenez visual. Só ele é grande, o porco. Um gigante. Um príncipe caído de qualquer asteróide fora dos catálogos. E quão belo ele é! Os outros? Quais outros? Que espécime de raça menor ousaria atribuir-se o porte e a graça de sua majestade cheirante? É que ele, o porco, fede mesmo, não se sabe a quê. A algo entre dentes podres por corrosão de sémen vadio e cuecas nunca despidas em quinze dias ou mais. Tão gratificante deve ser o ser-se porco!...
O porco, desde antes de antanho, é um cobarde. Um porco incendiou Roma. Outro, com outros, foi criador do santo ofício. Outro, declarou guerra aos judeus e não os matou a todos. E este, porque é doente, ou tal se finge coitadinho!— e disso obtém proventos, pensa-se a salvo de prestar contas pela enxúndia que por ele foi derramada. Qualquer pretexto lhe dá vento e o faz inchar (se até ascendeu a especialista em flatulência mental), servindo-se então de preconceitos, dor de corno e demais escorrências de etílica coloração, se ressabiadas e apuradas por via de infusão em vinha-d’alhos a título permanente, para alagar o curro onde é seu mester alapar-se. Ora, porque o mundo é pequeno e o tempo de espera é infinito, utópico será que ele se julgue, o porco, imune à justa sanção de quanto ousou fazer eco (e é um facto que os roncos se percebem bem à distância), até à última sílaba.
Há porcos a andar, no circo, de bicicleta. E há porcos actores, na tela e no palco, protagonistas de peças, filmes e séries televisivas. E há os porcos que escrevem, e bem, e se proclamam poetas, grandalhões da língua portuguesa, e até publicam livros. Só é pena serem tão porcos, nem mais, todos os dias.
Na quintarola pelo porco invadida, anda um burro, um velho jerico, a pastar. Também ele, em gastas eras de insensatez e leviandade, se viu a braços com a prepotência de alguém que o nome lhe açambarcou e repôs como adjectivo. Assaz injusto diga-se —, neste caso. O burro nem é (proclamam os livros) burro nenhum, não senhor. E este, sem prestar grande atenção ao mosquedo, vem registando os ziguezagues do porco, o teor dos grunhidos e o que mais importe registar, por via das contas no fim, em invasões deste género.
“Deixá-lo vir, deixá-lo”— diz o burro velho ao próprio ouvido —,“que eu tratarei da saúde ao doentinho”.

N.A.— Em abono da verdade, cumpre-me informar que o porco em causa, embora pertencendo à classe dos Mamíferos, nada tem a ver com a ordem dos Artiodáctilos, subordem dos Bunodontes, família dos Suídeos. Será, por estranho que pareça, um primata. Bem como o asno velho, ao fundo, que pasta não longe de mais.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

DIVAGAÇÃO SEM META EM VISTA NEM MODO DE LHE ESCAPAR EM VIDA AINDA

Livro total ou simulado bosquejo de dar pano à falua intelectualóide, um texto — passe a presunção deverá arrogar-se o desempenho de espelho. De espelho vulgar, entenda-se. Igualzinho àquele sacripanta que de manhã nos multiplica a remela e sem convicção nos invectiva a agonia dos excessos acumulados, legíveis em forma de vómito. Que bom é quando assim é. Quando nele se reconhece e se revê e assume, mais que o autor, quem o leia. Quando lá se descobre, no postigo das entrelinhas ou à vista de quem nem a ler aprendeu, aquilo que talvez nos atrevêssemos a admitir escrito por nós. Num espelho nos vemos e alindamos, retocamos, enganamos. Ai de quem leia quem tenha em si o dom da palavra escrita e seja cru a esgrimir, a decepar, a destruir quanto se afirme e acredite imune às próprias dentadas. Ai dos que a custo nulo se envilecem perante a falsidade da imagem reflectida por palavras vindas de outrem.
Um espelho despedaça-se, no entanto, às mãos de qualquer calhoada adversária da verdade nele transcrita sem equívocos, sem viabilidade de dar cobertura à fuga a olhares censores, por mais opaca que seja a cegueira contemplativa. Um texto, não. Não se despedaça em arestas rebrilhantes, mas sempre poderá insinuar-se muito mais pródigo em gumes de lancinância sem paternidade registada em certidão. E uma vez parido, difícil há-de ser que morra. Ainda que o queimem, poderá renascer das cinzas, Fénix domesticada com bedum a mais nas axilas e emblema partidário ou clubista, tanto faz, sobre a cloaca.*
Livro, folheto, crónica, poema, artigo, manifesto, ou qualquer ensaio embicado em levar ao pasto a fauna intelectualóide, um texto passe a jactância — é mesmo um espelho perfeito. Eis-me.

* (Receio ter-me perdido do cordel que me ensinava os pés através do labirinto, pelo que o menos prejudicial é parar e ir de volta. Pode ser que por aí me reencontre. Mas noutro dia).