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PINTOR, POETA E CANTOR, OU FAZEDOR DE COISAS LINDAS COM AS DUAS MÃOS E NÃO SÓ.

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

OU AMÁLGAMA OU ATERRO ONDE É LÍCITO O DESPEJO DA PRÓPRIA SOMBRA

Um trabalho de minúcia. São pequenos nadas de nada que a sós nada significam e em conjunto muito valem. Tal qual a arte dos relojoeiros, cujas ferramentas pinças mínimas, chaves de fendas, alicates, lupas e outras os submetem ao castigo das dimensões de brinquedo e em que a obra final parece ter vida própria, sendo que essa mesma vida é apenas a contagem do tempo de vida, afinal, a descontar. Ou então os lapidadores de pedras preciosas, com os diamantes lá no alto, porque maiores que a utopia de transformar pedregulhos rombos em cristais de brilho ímpar, e também eles condenados a morrer atrás de lentes e instrumentos minorcas. E logo os ourives, prossecutores naturais dos segundos nesta lista, porque de idêntica maneira obrigados a valer-se dos vidros de aumento aquando das lucubrações criativas, sejam elas de ouro, de prata ou de lata com pedrinhas condizentes. Ou a mestria dos restauradores de obras de arte longérrima, fanáticos na repintura a primor do que antes talvez nem fosse assim tanto. Ou os devotos da infinitude microscópica, pesquisadores da pequenez gigantesca sob a égide da ciência médica e de outras, quando apontadas ao extermínio de maleitas de mais nítida perigosidade. Ou os navegantes do oceano cósmico, que através de telescópios içam as velas, audazes, a caminho de lado nenhum já conhecido, e lá aportam aos mais remotos dos cais primeiro que toda a gente. Concluindo, do âmago de cada uma destas labutas, e não apenas, haverá um nico no exercício da escrita.

Guiães, 19 de Setembro de 2008

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

GOZE-SE O SORTILÉGIO DO ACASO QUANDO O MATERIAL NÃO ABUNDE

Anda um sapo no jardim. Nos tempos de mentira em curso, só faltava que ele fosse um príncipe encantado às mãos de uma bruxa má, e que através de qualquer truque de mágica sensual — um arrebatado beijo na boca, o sal de uma lágrima cristalizada a derreter-se-lhe nos olhos, um inesperado apalpão nos testículos — lhe devolvesse o formato e o conteúdo, misto de vanidade aristocrática e presunção fardamentada entre bailias cortesãs e salamaleques. Mas quem é que ainda gosta de príncipes, encantados, efeminados ou a cavalo em iates inatingíveis à vista desarmada? Antes um sapo, corcunda, viscoso e a mimetizar-se por cautela nos canteiros do jardim.
Um bicho raro, solitário, quiçá envergonhado pela feiura, o sapo. Por tal motivo, nem sempre disponível para conferências de imprensa ou interpelações de prosadores no garimpo, sedentos de lobrigar pepitas de ouro verborreico e com elas endomingar a independência. O sapo, horrendo que o considerem, é um prestimoso funcionário de limpeza sem horário, executor de bichezas roedoras de raízes e folhas e frutos e quanto mais seja de mais na vegetação dominante. Tem preferência pela fresquidão e pelo negrume da noite, porque de pele melindrosa e sensível às calhoadas do sol e de quantos sejam seus correligionários, de visão aquém do nariz. E agora, nas profundas do jardim da casa na aldeia, enquanto a ausência a habitar, já se sabe haver um guarda em serviço permanente, príncipe das trevas que seja por encantamento a pressupor-se para entretém da leitura. Assim o protejam do efeito da repugnância assassina os seus próprios deuses, batráquios assumidos ou monarcas que só a lenda teime em manter no trono.

(Guiães, 6 de Setembro de 2008)