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PINTOR, POETA E CANTOR, OU FAZEDOR DE COISAS LINDAS COM AS DUAS MÃOS E NÃO SÓ.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

GOZE-SE O SORTILÉGIO DO ACASO QUANDO O MATERIAL NÃO ABUNDE

Anda um sapo no jardim. Nos tempos de mentira em curso, só faltava que ele fosse um príncipe encantado às mãos de uma bruxa má, e que através de qualquer truque de mágica sensual — um arrebatado beijo na boca, o sal de uma lágrima cristalizada a derreter-se-lhe nos olhos, um inesperado apalpão nos testículos — lhe devolvesse o formato e o conteúdo, misto de vanidade aristocrática e presunção fardamentada entre bailias cortesãs e salamaleques. Mas quem é que ainda gosta de príncipes, encantados, efeminados ou a cavalo em iates inatingíveis à vista desarmada? Antes um sapo, corcunda, viscoso e a mimetizar-se por cautela nos canteiros do jardim.
Um bicho raro, solitário, quiçá envergonhado pela feiura, o sapo. Por tal motivo, nem sempre disponível para conferências de imprensa ou interpelações de prosadores no garimpo, sedentos de lobrigar pepitas de ouro verborreico e com elas endomingar a independência. O sapo, horrendo que o considerem, é um prestimoso funcionário de limpeza sem horário, executor de bichezas roedoras de raízes e folhas e frutos e quanto mais seja de mais na vegetação dominante. Tem preferência pela fresquidão e pelo negrume da noite, porque de pele melindrosa e sensível às calhoadas do sol e de quantos sejam seus correligionários, de visão aquém do nariz. E agora, nas profundas do jardim da casa na aldeia, enquanto a ausência a habitar, já se sabe haver um guarda em serviço permanente, príncipe das trevas que seja por encantamento a pressupor-se para entretém da leitura. Assim o protejam do efeito da repugnância assassina os seus próprios deuses, batráquios assumidos ou monarcas que só a lenda teime em manter no trono.

(Guiães, 6 de Setembro de 2008)