http://photos1.blogger.com/blogger/4837/2733/1600/moi4.jpg
A minha foto
Nome:
Localização: Coimbra, Portugal

PINTOR, POETA E CANTOR, OU FAZEDOR DE COISAS LINDAS COM AS DUAS MÃOS E NÃO SÓ.

sábado, 17 de fevereiro de 2007

PASSANDO EU PERANTE A "SAGA DO OVO DO CUCO ATÉ QUE NÃO"

"SAGA DO OVO DO CUCO ATÉ QUE NÃO"
Abrunheiro-Coimbra/1994
óleo s/ tela - 60 x 100 cm (colecção particular)
*
O cuco, passaroco atrevidão, espia o ninho dos outros e espera a hora certeira para que o golpe dê frutos. Vendo abalar os passaritos para o mercado, ele e ela, o cuco invade-lhes a intimidade, onde dormitam os futuros filhotes ainda em ovo, e no meio aninha também o ovo dele, bem maior que os manos de amanhã. E quando regressam a casa, das voltas em busca de mínimos nadas com o rótulo de indispensáveis na preparação do quarto, tendo em mira o parto a breve trecho, ela e ele, os passaritos, enlevados pela expectativa, quase não dão conta de que entretanto teria aumentado o número de bicos pedinchões previsto no plano, e lá prosseguem a azáfama para que o espaço, escasso, dê para tudo e para todos.
Alguns dias depois, como é sabido, nascem os rebentos, penugentos, e começa a guerra. Sempre esfaimados, de goelas escancaradas para as nunca suficientes migalhas que os pais tentam repartir por cada qual, os nascituros gritam e empurram-se e agridem-se, procurando chegar primeiro ao pão, materno ou paterno, tanto faz. E é nessa altura que a injustiça da lei dos mais fortes ganha peso e faz impor a prepotência, sem contemplações, sobre os menos bafejados pela sorte, cujo fim se adivinha a qualquer momento: o matulão atira os irmãos de berço da janela abaixo, e continua, sozinho, a usufruir da tolerância dos pais, adoptivos sem querer.
E um dia virá em que estes, ele e ela, os passaritos, se verão expulsos de casa pelo glutão, cuja tamanhura duplica a dos hospedeiros. E não muito depois, gordo e luzidio, há-de ser o fraticida a fazer-se à vida e a continuar o exemplo dos pais biológicos, indo largar o ovo em casa alheia, para que alguém o sustente.
Assim também o homem (um cuco em versão sofisticada), em relação à mulher. Embora a culpa seja da cobra que os fez mordiscar a maçã.