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PINTOR, POETA E CANTOR, OU FAZEDOR DE COISAS LINDAS COM AS DUAS MÃOS E NÃO SÓ.

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2007

"CATITA" (excerto)

Cabia-me num bolso do casaco, quando ma deram. E embora tivesse triplicado ou quadruplicado o tamanho, como se sabe ser natural, até oito meses depois, nunca teve mais que um palmo de altura ou sequer dois de comprimento. Era de facto muito pequenina e graciosa, muito ternurenta, muito desinquieta, castanho-amarelada e branca e o pêlo sedoso e longo a varrer o chão atrás dela, uns olhos cuja inteligência trespassava. Era linda, linda, linda. Chamava-se Catita.
Muitos e muito bons momentos de puro prazer lúdico – digamos nós, na falta de melhor definição – ela nos proporcionou ao longo dos tão curtos onze anos em que a vida lhe sorriu. Algo, uma qualquer dessas maleitas que ao abalar nunca vão sozinhas, no-la arrebatou para o céu dos bichos, esse céu bem conservado no baú da memória, onde só se guardam entes queridos, como cães, gatos, passaritos, brinquedos que nem tivemos mas sonhámos ter um dia, livros lidos antes de aprender a ler. Ou até gente, por vezes, rostos da primeiríssima infância, de que apenas nos ficariam alguns esboços apressados e sem rigor, pequenos pormenores de pasmo feitos, sinais, vozes, cheiros.
Aquela cadelita conseguiu impor-se-nos de tão vincada maneira, que ainda hoje se mantém viva entre nós, e entre nós corre e salta e foge e brinca, tendo por isso o seu lugar garantido nas conversas de todos os dias, como se se tratasse de alguém que tivéssemos amado para lá do ponderável como racional e até amámos, neste caso, muito além e acima de outros valores que houvesse a ponderar–, e de súbito, em plena verdura, nos deixasse assim, sem apelo, quando tantas alegrias e mimos ainda mereceria ter de nós para connosco repartir.
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"CATITA"
Abrunheiro-Coimbra/1995
desenho a lápis s/ papel - 20 x 30 cm (colecção do pintor)