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PINTOR, POETA E CANTOR, OU FAZEDOR DE COISAS LINDAS COM AS DUAS MÃOS E NÃO SÓ.

terça-feira, 28 de julho de 2009

AINDA SE NO ESPELHO RETROVISOR SE VISSE A MARCHA MAIS LENTA

Quando o amontoar dos anos sobre o cachaço nos começa a pesar, ao curvá-lo para o chão e ao ser prova viva (ainda) de que a gravidade é uma força de inexorável efeito, não me parece que ultrapasse o risco delimitador do exagero esta propensão, ou vício, de se gastar a maior parte do tempo disponível a olhar para trás, a rever nomes e datas, a repisar caminhos já sepultados por silveirões medonhos e lugares de que nem um metro sem betão se percorra agora, a redesenhar planos urdidos sob a prévia descrença de os ver além do papel, a reponderar posturas menos consentâneas e palavras que delas foram invólucro e certidão de garantia, a amaldiçoar iras tolas ao mando de frustrações e arrependimentos tão inúteis como falsos, a remolhar olhos lindos e corpos e mentiras fantasistas que sem pejo os desperdiçaram. E deve ser por isso que, perante a aproximação do medo final, me apresso já a varrer a casa e a arrumá-la, não apareça por aí o barqueiro antes da hora combinada ou a combinar. Ao modo de merceeiro dos antigos a fazer batota na balança com a mão por debaixo do prato, também eu me engano ao simular honestidade nas contas que ninguém, senão o próprio contabilista, conferirá. Toleima igual, afinal, à de quem finja vigor onde já só artroses e afins se lhe ofereçam.
Mesmo assim, sem que apenas por acintosa vanglória se interprete o meu regozijo por ter contactado, em sua vida e na minha, com gente deveras importante, altos nomes de alta ressonância, vou dar comigo não poucas vezes a desfiar o rol desses nomes e a rememorar de que maneira, procurada ou casual, os encontrei. Conheci, por exemplo, e tive o prazer e a honra de almoçar com ele e com ele atravessar uma tarde em cavaqueira informal, o grande, o infinito poeta José Gomes Ferreira. Quantas saudades sinto hoje dessas horas tão enriquecidas pela verve desse jovem de setenta e oito anos, na altura, a idealizar e a avançar projectos ante o deslumbramento de um cachopo de trinta ou nem tantos. E convivi com o Ary, nos saraus de canto livre em que pude participar, bem como com o ínclito gigante Zeca Afonso, com o Manuel Freire, ou o Fanhais, o Letria, o Adriano, o Portugal e tantos mais. E tive uma muito profícua conversa com o Miguel Torga, numa das minhas primeiras mostras de pintura em que o mestre, para meu gáudio, esteve presente. E, por razões de índole profissional e não só, contactei em diversas ocasiões um Luís de Sttau Monteiro, um Artur Portela (Filho), uma Maria Velho da Costa, um Alberto Pimenta, um José Manuel Mendes. E usufruí do privilégio, numa noitada gloriosa até às tantas, de ter em minha casa o Manuel da Fonseca, o Joaquim Namorado, o Cristóvão de Aguiar e mais um molho de noctívagos da praça. E em casa de meus pais me permiti a fortuna de jantar com o colosso Álvaro Cunhal. E, numa festa de homenagem a um dos entes já citados, coube-me a honra de cumprimentar, com um firme aperto de mão, um dos maiores homens que me apraz assinalar como meus contemporâneos: o general Vasco Gonçalves.
Entretanto, na outra ponta da corda, também me cumpre considerar como bastante feliz e aprazível a benesse de ter tido, nalguns casos, e ter ainda, noutros, amigos e parceiros de pândegas e tascas como um Manuel Gago, um Fana, um Falcão Machado, um Armindo sapateiro, um Giló, um Nobre da Costa, um Lobo, um Abraão, um Faustino, um Edgar, um Frederico, um Osvaldo, um Colaço, um Tó Figueiras e uns tantos mais que, como tão bem nos pôs a cantar o bardo maior entre os bardos, se vão da lei da morte libertando.
Amansem-se as famas em terra, que ao Sol, apesar de velho, nenhum ser vivo (ainda) conseguirá o prodígio de o ver de cócoras.