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PINTOR, POETA E CANTOR, OU FAZEDOR DE COISAS LINDAS COM AS DUAS MÃOS E NÃO SÓ.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

IRREFLEXÕES ACERCA DA VOLUNTARIEDADE NA ASSUNÇÃO DO SEM REMEDEIO

Penso estar já naquela idade em que o mero desejo se transforma em imposição de que aqueles a quem eu muito ame se imponham tanto e sob igual medida, no mínimo, ou até mais, se me devotem. Inútil será estar a equacionar meios-termos, meias-tintas. As incógnitas a trazer ao de cima do atoleiro não se ficam pela metade de coisa alguma. São e serão, enquanto forem, o pleno dessa inultrapassável questão de se ser ou não, erecto, a pensar, ainda aquém do pulo no escuro. Ser é ter com que atacar a letargia do imobilismo, a tendência para a quietude contemplativa, que sempre me acompanhou de perto e afinal até me facultou a construção de uma consciência crítica. Não fora esta, e eu, hoje, o que seria? Um pensador embalsamado, ou apenas empalhado para mostrar a ninguém, que é o mesmo que ora ocorre sem que dos sagrados óleos mumificadores eu tenha sequer o cheiro. Contradição, ou simples manifestação de preguiça dedutiva?
É também a idade em que a intolerância bate no fundo do poço e por lá se fica, incapaz de gatinhar paredes até à luz e de se desvanecer ao redescobrir-se envolta por ela. Essa ladainha do perdoai-lhes senhor que eles não sabem o que fazem, como a parvoíce de levar a bofetada numa face e oferecer a outra ao segundo estalo, embora sendo tretas plurisseculares, não deixam por isso de ser tretas. Haja quem lhes dê cobertura e as estabeleça como alimento do instinto de comer e calar sem lamúrias nem recriminações. Eu, não. Nunca. Quem me trair, só me trairá uma vez. E atilado será que os passos que dê, de então para diante, nunca dos meus se acerquem em demasia (um belo murro no nariz, não mais, porque é de regra deixar a penca à banda, restaurada que esteja a quebradura da cana, sempre serviu para lembrar a quem o leva de que não deve esquecer-se de quem lho deu. E isto, todos os dias, ante o espelho matinal, até aos primeiros dias depois do último, se for fidedigna a fotografia cedida à agência funerária).
Durante toda a vida, através de experiências várias em variadíssimos quadrantes, me senti aproveitado por outrem. Mas é claro que os mil e um encómios sempre apareceram para cumprir, à letra, o seu papel de ouro pagante, como se o estômago se mantivesse calado ao ouvir a parafernália dessas mentirolas adjectivadas, pretendentes a servir, já o afirmei aí atrás uma ou duas linhas, de pagamento. Durante toda a existência vim sendo, e sou (com a minha total conivência, o que está mal), procurado e achado como uma versão muito generosa de bobo da corte. Não há festa de amigos, aniversário, patuscada prazenteira, com vinho a correr à desmedida do tino, onde eu não tenha estado e vá estando, indiferente aos custos colaterais de tanta folgança, todas as semanas de todos os meses de todo o ano. E tudo tão efémero, tão volátil, tão esburacado e espoliado de conteúdo proveitoso, na maior parte das vezes, mal o arrependimento encortiçado da ressaca salta à estrada, ao amanhecer, e me pede contas.
E lá acaba por ser a idade em que, nesta condescendente modernice de falar sozinho por escrito, determinados temas de confabulação se vão tornando recorrentes, repisativos, doentios. Temas como o ódio, a inveja, a traição. Ou o abandono, a solidão, a morte. Ou a injustiça relativa ante o oportunismo e a aleivosia ao insuflar minorcas. Ou a inexorabilidade na progressão deste carrego da idade, sem pausas de retempero na subida descendente ou vice-versa, em cima de ombros e de braços ainda não preparados para serem asas e voo.
Sê-lo-ão um dia —, prometo. E já não falta assim tanto.