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PINTOR, POETA E CANTOR, OU FAZEDOR DE COISAS LINDAS COM AS DUAS MÃOS E NÃO SÓ.

terça-feira, 7 de julho de 2009

SEMPRE O ESPELHO COMO ESCUSA EXPOSTA EM AUTO SEM EDITAL QUE LHE VALHA

Eu, que estou cá dentro de mim e só olho de dentro para fora, não sei quem sou. Nunca até agora me encontrei, fosse onde fosse. E tomar a imagem ao espelho como alternativa, nada tem a ver com a realidade de quem nele se contemple, é um facto, mas não se veja. Ninguém se afirme conhecedor de si mesmo, ou esclarecido acerca de quem creia ser, apenas porque em qualquer superfície polida se lhe proporcione uma imagem simpática de quem se considere. Comece-se por atentar na evidência de que se trata de uma cópia e invertida. Distante de ter conteúdo anímico, portanto, e deixando ver o invés do espécime que toda a gente, menos a própria pessoa, reconhecerá. Que bom seria se o conhecimento de alguém por si mesmo fosse apreensível perante o espelho, um mentiroso nato, como se sabe. Ou se esse conhecimento se alcançasse, em outrem, através da simples perscrutação dos olhos, tão mais mentirosos que o espelho, quantas vezes.
Haverá também a sopesar com cautela outra questão, no respeitante à necessidade, ou à conveniência, de cada qual conhecer cada qual, e de toda a gente conhecer toda a gente, a partir do miradouro interno fixo nos olhos e tão voltado para fora como para dentro. Essa questão prende-se com a isenção, ou com a ausência da dita, nos julgamentos espontâneos que nos vejamos obrigados a fazer dos nossos actos, das palavras que os sublinhem, de quem em nós nos pretendamos, como e enquanto organismos mortais e sujeitos à corrosão progressiva que ao consabido desfecho da viagem nos virá transportando. Mais viável seria levar um tigre a tornar-se vegetariano, todavia, que descortinar a olho nu a mínima ponta de isenção em tais julgamentos. Sempre se ouvirão as pancadas do martelo do juiz a acalmar os clamores contra a arbitrariedade, a pesporrência, o tráfico de afectos, a falsificação de ideais como argumentação. E sempre se verão as sentenças anuladas sob a ressalva da falta de provas provadas, e por consequência a voar em direcção às nuvens do perdão a contragosto e do arquivo.
Como se torna óbvio, amanheci hoje soterrado por um cepticismo de toneladas. E chamar cepticismo a este estado de espírito já nem é tão sombrio como pareceria, se lhe chamasse morbidez ou melancolia de condenado a remador nas galés. De mogno, carvalho ou pinho, tanto faz: a nau aprazada que espere. O sol ainda vai alto e grosso, e eu por acaso até gosto mais de remar de noite.