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PINTOR, POETA E CANTOR, OU FAZEDOR DE COISAS LINDAS COM AS DUAS MÃOS E NÃO SÓ.

terça-feira, 8 de abril de 2008

TONTOS TEMPOS RETEMPERADOS DE LONGE PELA TONTEIRA DE OS LEMBRAR

Era em charcos como este efémeras poças de água formadas pelas últimas vergalhadas da chuva em refojos mais argilosos, entre feno e silveirões gigantescos, na altura —, que eu, cachopo, brincava. O mar era manso, como conviria à estratégia de ataque, e as naus lusitanas, cascas de noz a sério sobre os vagalhões (analogia que eu lera algures e aproveitara na prática), enfrentavam e derrotavam sem alternativa os pesados galeões castelhanos, talhados a canivete em corcódea dos pinhais delimitadores do horizonte. E todos aqueles navios, qualquer que fosse o pavilhão comandante, exibiam suas velas de papel, com a Cruz de Cristo pintada a guache e não raro esborratada pelo frenesim da luta, e se movimentavam conforme o sopro lhes dava. Os pulmões produtores da ventania eram, então, mais fraquitos e sensíveis à falta de conforto em vestuário, calçado nenhum e nem sempre alimento à hora dele. E também andariam longe de se jurarem isentos na força e na direcção incutida ao vento nas velas. E havia ainda, como corja de inimigos a afundar no lamaçal, a mourisma e a ladroagem de piratas e corsários, vulgo ingleses disfarçados de aliados seculares.
Só mais tarde aprendi que a maior parte da história aprendida pouco tinha de verdade autenticável por si mesma. Nunca nela eu ouvi falar da sífilis, por exemplo. Nem soube das transumâncias sem retorno, à sombra da cruz nos padrões implantados, por mercê da negociata de negreiros e afins com selo régio. Nem nunca tive notícias de quantas mortandades e depurações se soterraram no fumo das medidas ditas de alcance remoto.
Quando tudo desaprendi e de novo ousei saber, todavia, era já muito tarde para brincar aos combates entre caravelas de noz e de casca de pinheiro, assim, em charcos iguais a este.