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PINTOR, POETA E CANTOR, OU FAZEDOR DE COISAS LINDAS COM AS DUAS MÃOS E NÃO SÓ.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

PRIMEIRAS LUCUBRAÇÕES PARA A HIPÓTESE DO MEU TESTAMENTO A NINGUÉM

O arrependimento é uma dor terrível. E dói mais, muito mais, por ser inútil. Dói, por isso, duas vezes. Melhor fora, para toda a comunidade entretida a não fazer contas, que nem uma doesse. Mas lá doer, dói, e com que gozo. Até lembra uma verruma em carne tenra: nem precisa de rodar, que o buracão logo salta ao caminho das imprecações ditas proibidas pelo bom senso.
É uma evidência que ninguém consegue cuspir em si mesmo. Mesmo que o tente ao espelho, cospe no vidro, e nunca na crescente irritação lá reflectida. E isto, assim, a apalpar terreno, para não atentar grande coisa na imundície que tamanha estupidez comportaria. Imagine-se a chavasquice de retirar à força de esfregão, primeiro, o mimo do muco escarrado contra a própria impotência de eliminar um acto indelével, e depois limpar, lavar e puxar lustro à vidraça, sempre com alguém lá atrás a copiar todo o esforço desenvolvido gesto a gesto, a repetir um por um os pingos de suor de cada esgar, a repartir com o lado de cá a assunção da imbecilidade inicial que, em vez de o destruir e arrumar de vez nos confins da desmemória, repinta em tonalidades rutilantes o painel (com assinatura e tudo) do arrependimento a multiplicar-se, hora a hora, sem contenção nem apelo. E o mais provável, como será de lógico alcance, é o frenesim de limpeza fenecer resumido a cacos e gumes com o fatídico sangue à mistura.
Nada de válido se tem desse mistifório de iras e rancores enlaçados a ressentimentos e raivas. Compensação alguma equilibra os pratos da balança em que se pesem os dias a viver, a título prévio, atendendo à certeza de que o nó da questão se ficou nos dias já vividos. Apesar de tudo, ele subsiste, o arrependimento, minando quanto mais aconteça de positivo e promissor aquém do espelho.
Esfregões, há muitos. Bem como chapéus. E barretes.