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PINTOR, POETA E CANTOR, OU FAZEDOR DE COISAS LINDAS COM AS DUAS MÃOS E NÃO SÓ.

terça-feira, 3 de abril de 2007

RELAÇÃO DE VIAGEM FLUVIAL RETROACTIVA SEM LARGAR DO CAIS DA MEMÓRIA

O rio, aqui, por mercê da contenção no açude, lá para baixo um tanto, nem é senão um lago obeso e mansarrão, aparentando dormitar após refeição avantajada. Talvez só alguns salgueiros mais antigos, um ou outro choupo, que dos canaviais não é possível saber-se qual a idade exacta, se lembrem ainda de como o rio era noutros tempos: a sair da cama, inchado e sujo, quando no Inverno; ou resumido às dimensões de regato, vagaroso e a ziguezaguear num deserto de areias, quando o Verão camarada no-lo oferecia, domesticado, para exclusivo regalo de quem férias na praia nem sonharia o que fosse. E o mar aqui tão à mão e tão lá nas trevas mais fundas.
E havia lavadeiras, pois havia, a malhar ganga nas pedras, como quem descarregava iras recalcadas, e a enxaguá-las, a torcê-las, a sacudi-las, a estendê-las ao sol para que logo secassem no areão incandescente, e de novo a malhar recalcamentos e fúrias e a não parar nunca, até que o lusco-fusco da noitinha as devolvia, de trouxas equilibradas sobre a cabeça, ao fado das tantas mais tarefas a cumprir antes da deita.
Eis a cidade enroscada em si própria, com o rio aos pés não descalços como em tempos outros, de que quase me dói não sentir saudade mas pena de não ter sabido vivê-los.