http://photos1.blogger.com/blogger/4837/2733/1600/moi4.jpg
A minha foto
Nome:
Localização: Coimbra, Portugal

PINTOR, POETA E CANTOR, OU FAZEDOR DE COISAS LINDAS COM AS DUAS MÃOS E NÃO SÓ.

quinta-feira, 17 de agosto de 2006

FÁBULA DA CHUVA E DA MUDEZ DE ANIMAIS EM SERENATA

Chuva. Até que enfim, a chuva. Já tardava esta enxaguadela à ideia de que só as cigarras têm direito a cantar. As formigas, de facto, não têm tempo de ensaiar o coro. É que o mais importante é aforrar a invernia, enchendo as arcas de milho, atestando as salgadeiras, guardando das pragas o vinho. Ou remendando telhas partidas, colmatando brechas da velhice nas paredes, dando uma demão de tinta a portas e janelas, substituindo vidraças quebradas. A ocasião das cantorias há-de ser à borralha, no aconchego dos serões em família, brindando ao prazer de brindar a alguém ou a algo, enquanto o frio, em devido tempo, lá fora, lance as garras a quem não se houver prevenido.
Mas é maldade propalar, como fez o La Fontaine, que as cigarras, no Estio, não trabalham. É vê-las e ouvi-las, de manhã à noite, encher o ar de cantigas, dar colorido às searas maduras, apaziguar o efeito da canícula sobre quem a sofra. Como passarão elas o Inverno? Estarão em crisálida, como é provável, a estudar novo repertório para a nova época, lá mais para os píncaros do Verão do ano que vem, se vier.
Elas que perdoem, as cigarras cantadeiras, esta chuva. Mas também já fazia falta para apagar a fornalha incendiária e encher o bago.
Às formigas, tanto lhes importa que chova como faça sol: ignorando o que sejam férias estivais, pensa-se que cantam em coro no Inverno, à borralha. E que contam anedotas picantes sobre cigarras.