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PINTOR, POETA E CANTOR, OU FAZEDOR DE COISAS LINDAS COM AS DUAS MÃOS E NÃO SÓ.

sexta-feira, 19 de maio de 2006

ESBOCETO VELOZ DE TRATADO ACERCA DA ARTE DE BEM ESCREVER

A arte de bem escrever? Tem bastante que se lhe diga. Aliás, como qualquer outra. Não é suficiente – já alguém por aí disse isto ou algo aparentado – o bom intento. Ou mesmo o esquisso da ideia a adiantar como projecto. Ou até o suplício de horas, dias, meses, a vida inteira deitado sobre uma obra, para que essa obra resulte e a arte se dê a ler. É preciso aquela centelha de luz íntima. Aquele piscar de olhos vindo de dentro e para lá voltado. Aquela descoberta remota do que afinal está aqui tão perto. Aquele lapso metafísico entre ser ou não, quando ser não seja tubo de ensaio ou simples golpe de sorte.
As palavras estão aí, aos milhares. Há muito por onde escolher. E são as mesmas para toda a gente. É só pegar em algumas, quatro ou cinco, predispô-las em função do pensamento motriz, dar-lhes um primeiro impulso contra a inércia, e aguardar depois que as mais vão fluindo, como se despontassem do nada. Como se nada custasse fazê-las falar. Quanto ao serem arte palpável ou verborreia gratuita, aí já será bem outra a questão.
Há quem dê mais ênfase à forma, em detrimento do conteúdo, como se olhar um fruto bastasse para lhe tomar o sabor. Há quem se esfalfe em prol do recheio, desleixando a vestimenta, como se contemplar um corpo nu por inteiro fosse mais belo que a nudez adivinhada ao entrever-se. E também haverá quem, pendurado nos píncaros de suas cristalinas lunetas, só lavre e cultive o discurso valendo-se de penas de ganso, como se o talento dependesse da agricultura caligráfica ou se medisse com altímetro.
É na verdade muito simplesmente complexa a arte de bem escrever.