PORQUE O CHEIRO DOS CRISÂNTEMOS ME DÁ VONTADE DE MIJAR PELOS OLHOS
Ao devir a hora certa (que eu não confessarei a ninguém, nem sequer a mim mesmo), é meu derradeiro projecto, em vida, desaparecer sem rasto, de repente. Poupando-me ao desvario das despedidas ranhosas, apenas e só zarpar do cais, nem mais, em direcção aos antípodas, ou mais longe ainda, se possível. E depois, uma vez lá chegado a não sei onde, tratar de me livrar de quanto me identifique a origem, desde os documentos e demais papéis à roupa e calçado, para que na voragem de ruas sem tempo eu me finja esquecido de quem seja, de onde venha e para onde vá, protegido pela fardamenta do anonimato de qualquer vagabundo em terra estranha, entre estranha gente. E quando alguém me descobrir, sem asas, no fosso vertiginoso de algum precipício, ou a contemplar-me no polimento impoluto de carris onde um comboio acabe de passar, ou engalanado por algas e limos num fundo de lago paradisíaco, nunca saberá quem sou, de onde vim, para onde iria.
Só assim garantirei, a título póstumo, a minha não presença por cá na comédia em que, embora inerte e sem voz, seria protagonista.
Só assim garantirei, a título póstumo, a minha não presença por cá na comédia em que, embora inerte e sem voz, seria protagonista.
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