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PINTOR, POETA E CANTOR, OU FAZEDOR DE COISAS LINDAS COM AS DUAS MÃOS E NÃO SÓ.

terça-feira, 6 de junho de 2006

FIQUEMO-NOS POR AQUI

Tentando expressar-me de forma genérica, como se não tivesse em mente uma certa e determinada direcção (o que na verdade acontece, não há que negar), cumpre-me tecer algumas considerações acerca do valor semântico de algumas palavras que eu algures me vi forçado a utilizar, num específico contexto, e que me foram “devolvidas” com outra roupagem, que não a que comigo teriam envergado.


– A palavra “recompensa”, por exemplo, um tetrassílabo.


Para quê diminuir a amplitude do seu significado, reduzindo-a a si própria, gramatical e funcionalmente falando? Será mesmo tão difícil concluir que “recompensa” pode ser aquela sensação de aprazimento experimentada quando alguém de quem gostemos sobe na vida por seu próprio mérito? E será também tão complicativo olhar a mesma palavra sob a significância de prémio, nosso ou a repartir connosco, quando o mesmo alguém trava uma luta difícil e sai vencedor? E não será de igual modo compensatório verificarmos reconhecimento pelo intrínseco valor do que tenhamos feito, seja trabalho no campo das artes, seja atitude solidária em momentos de provação, seja ainda e apenas o acto de acreditar em quem já tantas vezes nos desenganou? E não seria tão mais bonito se não tivéssemos de ser nós a chamar a atenção do “astro” para que esse reconhecimento seja visível, vindo até nós como garante de que o futuro ainda suscitará expectativas?


– Passemos agora à palavra “cagalhão”, um trissílabo.


Ao que julgo saber, “cagalhão” é um monte de merda. E um monte de merda também poderá aplicar-se a alguém cujo comportamento nos importe, quer pessoal, quer familiar, quer social, quer profissional, quer afectiva e humanamente falando. Então não é merdoso vermos alguém, a quem nós queremos bem, aparecer sem ser convidado num local onde estejamos a confraternizar entre amigos, sendo desde logo perceptível o torpor com que se arrasta e se pronuncia, dois ou três dias após ter tido alta da sua terceira desintoxicação alcoólica? Então não tresanda a metros o dizerem-nos que esse alguém, depois de lhe ser negado o acesso a bebidas por prévio aviso, teria estado a beber, à socapa, do copo de quem se sentava ao seu lado? Então não chega a ser nauseabundo sofrer-se nos olhos os olhares de outrem, diante do espectáculo degradante que complementará o programa, o de quem, pretendendo-se tão grande (e podendo sê-lo), cai assim tão lá mesmo na merda mais abissal? (*)


– Ponhamos agora sobre o estrado o dissílabo “anão”.


É dos livros e das bocas de todas as línguas faladas em todo o globo que “anão” é um pequenitote, um quase-nada, um pouca-roupa. Um resvés de gente, como dizia o outro ao falar do outro. Acontece que “anão” não é somente isso. Também será aquele que se dá à pequenez de olhar tudo e todos, artística e literariamente falando, tomando-se por bitola única e lá muito por cima de todos e de tudo. Assim como aquele que se diverte com a enunciação pública dos autores que vem lendo, ou que diz vir lendo, à média de uns quatro ou cinco por dia, o que é fabuloso, ninguém duvidará. E também aquele que se arroga a petulância de ministrar lições de gramática a quem delas não precisa assim tanto, como se vê e lê, sempre que no seu imaginário se julga tribuno romano em loquaz dissertação perante uma plebe minorca. E ainda aquele cuja minimidade lhe corrompe qualquer ensejo de visão autocrítica, entendendo como suficiente esta espécie de masturbação internética, com que ele se entretém e fará entreter todo um séquito, devoto e obsequioso, de outros masturbadores em coisa alheia.


Afinal, porque creio estar a perder tempo (e eu já perdi tanto mas tanto neste particular anfiteatro de dois actores cujo texto desde há uns milénios se esgotou), não sei se valerá a pena pegar no “cão”, um monossílabo quase emblemático, embora por aí tão mal usado como rótulo de alguém. Seja pelo próprio alguém, seja pelos mais que se considerarão a sua matilha privativa. Cães, para mim, há só um: o meu Satie, e mais nenhum.


E deixando em paz a semântica, concordemos que muito ficou por dizer. Fica sempre. Como a abordagem da dívida material, para não ir mais longe. É que nem é a dívida material, em si, que mais me corrói as ideias: é a liberalidade com que não se assume a sua assunção. Com que se aproveita a generosidade familiar, sem se pensar sequer em a retribuir um dia, seja quando for. Com que se toma um dispêndio de outrem, como se outrem a tanto estivesse obrigado. Pois que se foda o dinheiro! Eu sei lá quanto é que me custou a madeira comprada há já nem sei quantos anos!...


O que confrange, nisto tudo, é a falta de sentido de responsabilidade evidenciada, ou seja de idoneidade demonstrável, ou seja ainda de honestidade projectável futuro adiante.

E para quê abordar as duas mensagens por mim enviadas, antes de qualquer texto dito "lamentoso", que nem resposta obtiveram?

E para quê assumir agora que entendi por prudente não assistir ao lançamento de um certo livro, em que também tive quota-parte e não pequena, por temer ver-me confrontado com cenas deploráveis, já observadas noutros carnavais anteriores, como as cenas merdosas aí atrás explicitadas, que foram postas em palco poucos dias antes desse mesmo lançamento?


Fiquemo-nos por aqui, que é melhor para toda a gente.


(*) Porque para tanto fui empurrado, foi esta a vez primeira em que eu, dirigindo-me a quem me dirijo, toquei neste tema. Posso provar. Para tanto bastará que se releiam todos os tais textos “lamentosos” publicados neste jornal de parede. Dois textos há, reconheço, mas que não merecerão a honra de figurar nessa categoria, em que eu, autocriticamente, me debruço sobre a temática etílico-borrascosa. Autocriticamente, repito.

A propósito do tema, apraz-me reconhecer também que sempre bebi muito, bebo muito, e hei-de continuar a beber quanto me apeteça, porque sempre soube fazê-lo. Infelizmente, apesar dos muitos avisos e conselhos amigos, houve quem não aprendesse comigo, e foi pena.

Talvez nunca tivéssemos chegado a fazer esta tão triste figura.

Disse.

Figueira da Foz, 4 de Junho de 2006