RELATÓRIO DE VIAGEM DE IDA E VOLTA
As coisas ter-se-ão deteriorado bastante nos últimos tempos. Antes, porque a tolerância ainda tinha direito a tempo de antena, tudo se anunciava e festejava e acontecia e vinha depois a ruir, como se tal sequência estivesse prevista algures e só por isso se aceitasse. Só que na primeira qualquer cai, na segunda cai quem quer, e na terceira só cai quem é parvo e insiste em ter a dita tolerância como justificação e desculpa. E agora, porque a denúncia de pequenez vem à tona, qual mancha de óleo em água mole de infecciosa, tudo se torna suspeito à partida e não granjeia atmosfera onde sobreviva mais tempo que o necessário a novo trambolhão no charco.
A assunção da realidade – ponto obrigatório numa hipotética terapia para debelação da moléstia – há-de passar pelo reconhecimento, com honestidade e lhaneza, da chusma de erros cometidos; das causas que deles teriam sido cama e lençóis e cobertores; da dívida, e nem só moral, contraída junto de quem esteve connosco, desde o primeiro momento, porque em nós ainda quis e se atreveu a acreditar; e, de sobremaneira, desse crime de utilizar, como se de uma específica ferramenta se tratasse, o amor condescendente de quem bem nos queira para ir mantendo o barco à flor da água, com remendos sobre remendos já remendados, sem rota nem leme que a possibilite ou preveja. O importante é que o barco se aguente cá em cima, ainda que mal se mova por não ter vela nem remos.
Que a graça de quem nos cobre nos cubra.
<< Home