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PINTOR, POETA E CANTOR, OU FAZEDOR DE COISAS LINDAS COM AS DUAS MÃOS E NÃO SÓ.

terça-feira, 2 de outubro de 2007

DE TRONCO DE PINHO A ESCANO COM A SINA DE SER LENHA JÁ TRAÇADA

Neste escano, velho de duzentos ou mais anos, segundo diz o madeirame em pacificado tom de cinza, quantos repastos, de empanturrar ou frugais, terão sido desbastados e devorados por dedos a engalfinhar-se, que não por talheres completos e empunhados a preceito? E quantos cântaros de vinho se não ergueram e quebraram em saudações ao rei e à rainha e aos infantes, lídimos ou bastardos que se arrogassem? E quantos nadegares roliços por aqui não se espojaram e lá libertaram os seus traques só audíveis pelo nariz? E quantas paciências, dando orelhas e língua a um qualquer baralho de cartas, não entediaram os serões até aos bocejos do tamanho do universo à luz de lamparinas azeiteiras? E quanta perfídia inquisitorial não teve aqui também, neste escano, confessionário e távola tribunícia, em detrimento das práticas do bem, do amor e da paz entre os homens de boa vontade na terra, aviada que se apregoasse a glória eterna a quem se sabe?
Ao mando de serra, plaina, enxó e formão em mãos anciãs no realce, e eis um instrumento digno de encómios e bom trato, este escano, quaisquer que viessem a ser os usos e os utentes nele abancados há duzentos ou mais anos, se se der crédito à coloração pacificada em cinza do madeirame, à ferrugem dos tão escassos pregos empregados na junção e no aperto, ou às fendas sinuosas de sinistras no sofisma de lhe encomendar o fim sem honra, na fogueira, a breve distância, que não daqui a dois séculos recontados como esses que aí vão.
Assim sendo, restaure-se, que o móvel merece mais nádegas e mais traques mudos e audíveis como eco da história, pátria ou outra qualquer, que tantas haverá de igual vanidade.

(Guiães, 28-09-2007)