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PINTOR, POETA E CANTOR, OU FAZEDOR DE COISAS LINDAS COM AS DUAS MÃOS E NÃO SÓ.

segunda-feira, 1 de maio de 2006

COMO SE EU NÃO TIVESSE TIDO UM TETRAVÔ DROMEDÁRIO

A travessia do deserto continua. E o pior de tudo é que ainda não vislumbro, ao longe – miragem que seja–, a bossa de um monte, o descarnado aceno de uma árvore, um oásis de águas pútridas onde mergulhe e me afogue ou envenene por opção, pegadas de pássaros no ar, névoa purulenta de cauda de cometas no chão, algo que de forma eloquente me prometa o fim da jorna a breve prazo. Em volta de mim, por cima e por baixo, por fora e por dentro, só dunas de areia contra dunas de areia, ou seja montões e montões de palavras vãs e tédio e fobia a lugares-comuns. A mínima afloração de um rasto de fuga é pura utopia. E de que me valeria fugir? E para onde?
Bem melhor será que eu me entretenha a brincar, por aí, com escorpiões e lagartos, ou a redesenhar hieróglifos no areal, até que o braseiro do sol me derreta as cartilagens e me desconjunte as dobradiças, fazendo-me assumir antes da queda, uns segundos que seja, o papel de bonifrate que sempre me identificou.
Só espero e desejo que me não apareça, caído do cosmos, um qualquer principezinho a levar-me à certa com a história do planeta minorca e das ovelhas predadoras. Não sei se terei paciência para lhe dar ouvidos, pressupondo que ele tentará convencer-me a terminar de pé, sempre de pé, esta travessia.

Aviso à navegação: – Que me lembre, nunca uma tão profunda crise me aconteceu em quaisquer tempos, reais ou imaginários. Eis pois uma das grandes vantagens de se ser pintor, poeta e cantor: por muito que a merda me cerque e corroa os movimentos, nada me impede de, ao falar dela, a interpretar ainda como matéria-prima e sustento, em vez de tão-somente tentar reduzi-la ao seu nível, o de lia sem préstimo sequer para estrume, e quanto possível enterrá-la de vez. E assim, pinte-se a dita de coloridas tonalidades e dê-se a ver num qualquer eremitério público, tal-qualmente este, onde outros a possam também contemplar. Quanto ao mau cheiro, paciência: é de origem. Nada a fazer.